Edição de Outono da Escola de Medicina Familiar
Estudos realizados por instituições europeias como a Assembleia das Regiões da Europa (ARE), evidenciam um aumento de comportamentos de risco associado à crise económica e financeira. De acordo com Carvalho Teixeira, que coordena o curso da Escola de Outono sobre “Aconselhamento em Cuidados de Saúde Primários”, os maiores riscos estão relacionados com o uso de substâncias, particularmente tabaco e álcool, bem como ao nível dos comportamentos alimentares
A edição de 2014 da Escola de Medicina Familiar, que irá realizar-se entre 19 e 22 de novembro na Consolação (Peniche) inclui sete cursos. Depois de na última edição do «MGF Notícias» nos termos debruçado especialmente sobre o novo curso “Campo de Treino: Leitura crítica de artigos científicos”, nesta ocasião abordamos mais detalhadamente a formação “Aconselhamento em Cuidados de Saúde Primários”.
A equipa responsável por este curso é constituída por três facilitadores. Para além de José Carvalho Teixeira – médico psiquiatra, professor de Psicopatologia e Psicologia da Saúde e diretor do Departamento de Formação Permanente do ISPA – e de Isabel Trindade – especialista em Psicologia Clínica, coordenadora da URAP do ACES Loures-Odivelas e formadora na área do comportamento e saúde, depressão e educação para a saúde –, conta ainda com a participação de Filipa Pinto Nunes, psicóloga clínica no ACES Lisboa Central, formadora nas áreas do comportamento e saúde, stresse ocupacional e burnout e docente no curso de pós-graduação em Psicogerontologia do ISPA.
Em conjunto, a equipa irá facilitar aos participantes um maior desenvolvimento das suas competências para ajudar os utentes a mudar comportamentos de risco. Nomeadamente, através de entrevistas motivacionais e intervenções clínicas facilitadoras da resolução de problemas.
Além destas competências, os formadores pretendem que os participantes reflitam criticamente sobre a ideologia dos estilos de vida saudáveis que, na opinião do psiquiatra Carvalho Teixeira, está “quase exclusivamente centrada em fatores individuais e pouco atenta aos contextos familiares e sociais”.
Não menos importante é a partilha das experiências profissionais dos formandos. Nomeadamente, de obstáculos vividos na sua prática clínica para realizar aquele tipo de intervenções, “procurando-se facilitar a identificação de estratégias para a sua superação, adaptadas à consulta de MGF”.
Aconselhamento ressente-se com a pressão dos indicadores
Ao longo das várias edições do curso, a equipa recolheu inúmeros dados sobre as dificuldades vividas pelos médicos de família para realizarem este tipo de aconselhamento. “Trata-se de um assunto da maior importância, mas bastante complexo”, aponta Carvalho Teixeira. “Até à data, os nossos formandos identificaram mais de duas dezenas de obstáculos à realização deste tipo de intervenções. Genericamente, dividem-se em dificuldades relacionadas com os próprios médicos, obstáculos organizacionais e obstáculos relacionados com os utentes”.
Carvalho Teixeira assinala que “não podemos fazer nenhuma generalização a partir desses dados, de resto essencialmente relacionados com internos da especialidade ou, então, com jovens especialistas em MGF em início de carreira. No entanto, se quisesse salientar as principais dificuldades, destacaria as seguintes: nos obstáculos relacionadas com os médicos, a pressão para cumprir indicadores, as tarefas múltiplas a realizar em cada consulta, a formação e treino insuficientes nesta área e o excesso de formação biomédica; nos obstáculos relacionadas com a organização, o tempo de consulta estabelecido, trabalho de equipa insuficiente e um suporte informático quase exclusivamente direcionado para o modelo biomédico; nos relacionados com os utentes, escassa autonomia, expectativas de paternalismo por parte do médico e perceções de invulnerabilidade pessoal”.
São muitos os obstáculos mas também é um facto que o aconselhamento e as intervenções clínicas facilitadoras da resolução de problemas são bastante necessárias. De acordo com o docente do ISPA, “em estudos realizados noutros países, nomeadamente na Grécia, e por instituições europeias como a Assembleia das Regiões da Europa (ARE), há evidências de um aumento de comportamentos de risco para a saúde associado à crise económica e financeira que temos vivido. Designadamente, relacionados com uso de substâncias, particularmente tabaco e álcool, bem como ao nível dos comportamentos alimentares”. Essa influência “aparece mediada pelo aumento das situações de desemprego e precariedade, dificuldades económicas, pobreza, suporte social escasso e, não menos importantes, fatores psicopatológicos, com destaque para a depressão”.