O Clube de Leitura APMGF associou-se à Maratona de Leitura da Sertã e organizará uma sessão especial no âmbito daquele evento, programada para o dia 5 de julho, pelas 16h00. A sessão em causa estará dedicada à obra «O Silêncio das Carpideiras», contando com a presença do seu autor, o médico de família e escritor Miguel Miranda. A moderação ficará a cargo de Mário Santos e a dinamização de José Falcão Tavares. Decorrerá no Salão Nobre do Clube da Sertã e a entrada é livre.
A 13ª edição da Maratona de Leitura da Sertã, este ano subordinada ao tema “O Medo”, para além de durante o dia de sábado (entre as 00h00 e as 24h00), contar sempre com alguém a ler num palco de uma casa de espetáculos, durante os três dias (3 a 5 de julho) irá oferecer vários encontros de escritores e contadores de histórias que se deslocam às aldeias mais recônditas do concelho, interagindo com a população local.
“A participação do Clube de Leitura da APMGF nesta iniciativa assenta no principio de que a melhor maneira de mudar comportamentos é dar o exemplo. Então, os médicos de família expor-se-ão como exemplo de leitores que partilham o que leem. Assim, no dia 5, às 16h00, no Salão Nobre do Clube da Sertã, acontece a sessão presencial moderada pelo Dr. Mário Santos, dinamizada pelo Dr. José Falcão Tavares e com a presença do nosso colega Dr. Miguel Miranda cujo livro “O Silêncio da Carpideiras” estará em discussão. Nesta sessão entram todos os colegas que leram o livro, mas a sessão está aberta ao público que poderá depois intervir”, explicam José Mendes Nunes e Ana Sardinha, membros do Clube de Leitura APMGF que ajudaram a construir esta parceria com a Maratona de Leitura da Sertã.
Os dois leitores médicos recordam ainda que “a APMGF vai dinamizar sessões de informação sobre saúde em duas aldeias: Várzea dos Cavaleiros (no dia 3) e Nesperal (dia 4). Estas sessões tem por titulo «Ler faz bem à saúde». Pretende-se contribuir para a literacia em saúde para além de incentivar a leitura e o convívio. No meio de tudo isto, ainda há espetáculos de poesia e música e um espetáculo de encerramento na noite do último dia, no castelo da Sertã”.
Um romance que questiona o progresso e os seus fantasmas
Miguel Miranda não pensou muito antes de concordar em fazer a viagem até a Sertã, pese embora a sua agenda preenchida: “procuro ser seletivo ao aceitar este tipo de convites, pois tenho grande ocupação de tempo com atividades diversas. O simpático convite para participar no Clube de Leitura APMGF, em sessão integrada na Maratona de Leitura da Sertã, era irrecusável, vindo de quem vinha. O interesse e o empenho da colega Ana Sardinha, minha colega de curso e de especialidade médica, a luz nos seus olhos quando falava da Maratona de Leitura da Sertã, foram garantias suficientes de dar antecipadamente por bem empregue o tempo despendido com a deslocação e a sessão”.
O escritor mostra-se agradado pela escolha específica de «O Silêncio da Carpideiras» e lembra que esta obra tem um carácter inusitado: “o livro aborda um tema não muito ou quase nada tratado, a deslocalização de populações, às vezes aldeias inteiras, por via da construção das grandes barragens hidroelétricas. Portugal, nos anos 50 do século XX, estava duplamente às escuras – vivia um período de ditadura Salazarista, o analfabetismo grassava, a pobreza também, as liberdades estavam coartadas, como a liberdade de imprensa e de opinião – e estava mesmo às escuras pois o país não estava eletrificado. A construção das grandes barragens hidroelétricas do Cávado e do Rabagão, e mais tarde do Douro, mas sobretudo as primeiras, geraram uma onda de progresso com a eletrificação progressiva das cidades, das vilas e das aldeias”. Miguel Miranda frisa que em contraste com esse progresso emergente, os avanços contribuíram de forma direta para que “muitas populações vissem a sua terra natal ficar submersa, perdendo a sua casa, onde nasceram, perdendo o lugar onde estão enterrados os familiares sem nunca mais os poder visitar. Esta dicotomia foi difícil de aceitar na altura, para muita gente que não acreditava que o rio, que sempre tinha descido, ia subir e alagar os seus campos e lugares de memória. Eu vivi lá, no Alto Rabagão, até aos 9 anos de idade e tenho memórias vivas desses tempos em que quando se procedeu ao enchimento das Albufeiras da Caniçada e Venda Nova, muita gente se recusou a abandonar as suas casas, e foi preciso resgatá-las de barco de cima dos telhados das casas submersas. Este tipo de história repetiu-se mais tarde na Aldeia da Luz, na construção do Alqueva, embora aí tenha havido o cuidado de reproduzir a aldeia como ela era, acima do nível das águas. O que, sendo um mal menor, não apagou totalmente a perda. E irá repetir-se, não da mesma forma, mas parecida, com a exploração mineira do lítio, no Barroso. E com outras explorações mineiras, em nome do progresso. Falar disso sobre a forma de uma ficção, é o mote do livro, sempre atual”.
O autor – que conjuga há décadas o amor pelas letras com a sua paixão pela Medicina de proximidade – não tem dúvidas que debater sobre livros e histórias com colegas de vocação é algo de muito especial e que os médicos só têm a ganhar quando investem na leitura: “os médicos não se perdem na ficção, encontram-se. Ganham asas, vêm o território que os rodeia de um ponto de fuga mais elevado. O médico é um analista de rostos, um observador da mente através dos olhos, um descodificador de discursos, para entender a pessoa que está na sua frente. A ficção funciona como uma lente, amplia as capacidades de conjeturar do leitor, e isso é útil para a medicina. E a ficção é a forma mais barata e célere de viajar. Além disso, a ficção permite também viajar no tempo, o que a ciência ainda tem dificuldades em fazer”.
Para José Falcão Tavares, dinamizador da sessão, encontrar Miguel Miranda e dialogar com ele a propósito de «O Silêncio das Carpideiras» será, com toda a certeza, um privilégio para todos os que rumarem à Sertã: “Miguel Miranda, o mestre da sátira, mergulha no mistério da dor neste livro. O ambiente rural sucede à farsa fácil do Porto, o estilo cruza o real, o simbólico e o imaginário, a crueza da vida dura ilumina o teatro de rebanhos e pocilgas. Continua a revelar facilidade e mestria no desenho de personagens inesquecíveis. O padre exorcista faz-nos recordar o Abafador de «Os Novos Contos da Montanha».(Miguel Torga). Começa a revelar uma preocupação clara com os abalos telúricos que o progresso traz às aldeias perdidas. A prevista construção da barragem do Rabagão rouba os melhores sonhos de Susana. E o inconsciente da mente perturbada traz o mafarrico a Dornelos! Como tirá-lo de lá? Dorinda, a velha bruxa, e Jolo, o traidor, completam o quadro de conspiração. O autor é mestre também nos registos de humor, aqui indo do fatalista ao trágico. O ápice do relato é atingido na pág 207. A água sobe…”.











