Gerais

Proximidade com a população é marca da MGF

Projetos liderados por médicos de família premiados no país

A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) entregou os três prémios da campanha “Médico de Família, o mais próximo de mim” aos projetos «Dar Corda aos Ténis», da Unidade de Saúde Familiar (USF) Carcavelos, «Pontes Entre Nós», da USF Famílias (Lourosa) e «Mais Perto de Quem Cuida», da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel (Açores). Esta campanha surgiu integrada nas comemorações do Dia Mundial do Médico de Família 2019, apostada em revelar o que de mais positivo é realizado em Portugal pela especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) e pelas equipas dos cuidados de saúde primários (CSP), no que diz respeito à proximidade e comunicação com as populações, doentes e suas famílias.

“O projeto «Médico de Família, o mais próximo de mim» insere-se nas comemorações do Dia Mundial do Médico de Família e parece-nos que cada vez mais teremos de investir, enquanto país, em programas organizados de proximidade, como aqueles que agora premiámos. Os programas que quisemos promover estão relacionados com a inserção do médico de família (MF) na comunidade e o desenvolvimento de ideias que podem ser importantes para a saúde das pessoas”, avança Rui Nogueira, presidente da APMGF. O dirigente associativo está convicto de que com a exposição destes projetos inovadores, que fazem a diferença ao nível local, mais equipas dos CSP se sintam motivadas para arrancar com ações similares: “as iniciativas distinguidas têm grande valor por si mesmas, mas também amplitude por permitirem que, através de uma divulgação pública, possamos chegar a outras equipas. São sementes para o surgimento de outros projetos no futuro, capazes de congregarem não só MF, mas também outros profissionais fundamentais para assegurar proximidade às comunidades que servimos”.

Uma «Povoação» unida contra o isolamento

Nos Açores, o projeto “Mais perto de quem cuida” foi desenvolvido com a meta de capacitar e esclarecer os cuidadores informais da Povoação (Ilha de São Miguel), um concelho com cerca de 6 mil habitantes. A ideia central passa por trazer estas pessoas para mais perto da equipa de saúde, com vista à melhoria dos cuidados prestados, por via de sessões subordinadas a temas como a prevenção de úlceras de pressão, os recursos sociais disponíveis para pessoas com dependência e cuidadores, a alimentação e a confusão na pessoa com dependência, a prevenção de quedas e as estratégias de prevenção do burnout nos cuidadores. Nas sessões participam médicos, enfermeiros, psicóloga, nutricionista e assistente social. O projeto foi pensado e coordenado por Ana Carolina Bronze e Maria Teresa Albergaria. As duas salientaram na entrega formal do prémio que este é um reconhecimento “para o trabalho de todos elementos da equipa e não apenas para os médicos”. Para Carolina Bronze, o mais importante do projeto é “dar formação básica aos cuidadores informais, aproximá-los de nós (profissionais de saúde) e uns dos outros, uma vez que por assumirem este trabalho 24 horas por dia com os seus familiares e amigos, acabam muitas vezes por enfrentar um grande isolamento social”.

Maria Teresa Albergaria, recém-especialista de MGF, recorda que foram envolvidos “todos os profissionais do Centro de Saúde da Povoação, dando origem a uma equipa multidisciplinar, com cada um dos profissionais a abordar temáticas que considerasse relevantes para atender a necessidades dos utentes”. Esta jovem médica frisa que a população local “está isolada em termos geográficos e de informação, pelo que o projeto se traduz num investimento para contrariar tal isolamento. Foi com agrado que percebemos que a iniciativa foi muito bem aceite pelas gentes da Povoação, com muitos dos participantes a avançarem inclusive com propostas de novos temas a tratar, em futuras sessões”.

Por seu turno, Teresa Luciano, presidente do Conselho de Administração da Unidade de Saúde de Ilha de São Miguel (USISM), elogiou a iniciativa a cargo das duas jovens médicas e vaticinou que “mais prémios virão”, até porque a continuidade do projeto está assegurada, “com mais sessões agendadas para este ano de 2019”.

Maria Teixeira é uma das beneficiárias do projeto. Residente na Água Retorta, esta idosa cuidou da sua mãe até ao momento da morte desta, colocando em prática as estratégias apresentadas nas sessões: “ensinaram-nos a cuidar dos velhinhos, a lavá-los e a alimentá-los. Achei que tudo correu muito bem e os conselhos ajudam-nos muito. Se existirem mais sessões, eu aqui estarei, porque apesar da minha mãe já ter morrido, pode haver mais alguém da família para ajudar. Nunca se sabe…”.


Carcavelos sempre a mexer, em nome da saúde

Em Carcavelos, o projeto premiado – «Dar Corda aos Ténis» – promove a prática regular de atividade física junto dos utentes, com duas caminhadas semanais, antecedidas de uma pequena palestra sobre assuntos fulcrais para um estilo de vida saudável. A iniciativa é de uma equipa de profissionais com origem na USF Carcavelos, coordenada pela médica interna Catarina Catroga. A abordagem do tema de conversa semanal obedece a um guião elaborado previamente pelos internos, seguindo-se um aquecimento articular breve, a caminhada propriamente dita (em percurso pré-estabelecido de 40 a 50 minutos) e finalmente um momento para alongamento/retorno à calma.

A primeira caminhada foi realizada em setembro de 2017, com apenas três utentes. De então para cá, o movimento nunca mais parou e o grupo do projeto possui uma base de dados de 157 utentes que se mostraram interessados em participar, dos quais 102 já participaram pelo menos em uma caminhada. Foram estabelecidas parcerias na comunidade que permitiram alargar a divulgação do grupo e a participação em outras ações de promoção da saúde, nomeadamente com a Academia da Saúde do Fórum Concelhio para a Promoção da Saúde de Cascais e com a iniciativa Andar Bem, do Coletivo Zebra. Segundo Catarina Catroga, “a prática de atividade física é algo que os MF recomendam por sistema nas consultas, mas a verdade é que não dão o exemplo. Considerámos então que esta era uma forma de nos aproximarmos dos nossos utentes, de incentivá-los de uma forma muito eficaz a praticar atividade física e a desbloquear algumas barreiras. Entretanto, já foi possível verificar alguns ganhos em termos preventivos e as pessoas sentem-se mais à-vontade para vir ter connosco, inclusive para falar sobre outras questões de saúde”.

Para Nuno Basílio, coordenador da USF Carcavelos, “esta iniciativa pegou de estaca e evoluiu ao longo dos últimos dois anos de uma forma muito positiva”, com o prémio a instigar agora “uma energia redobrada”.

Um enorme orgulho pela distinção do projeto é o que sente Helena Costa, diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) de Cascais: “temos muitos prémios no ACeS de Cascais, mas cada um é como se fosse o primeiro. Sentimos, de facto, muito orgulho por contar com equipas ativas e movimentadas e esta USF já pegou a moda das caminhadas a outras equipas do ACeS. De relembrar, também, que em Cascais existe um Fórum Concelhio para a Promoção da Saúde, que disponibiliza um itinerário de caminhadas, do qual faz parte o ponto de partida do projeto «Dar Corda aos Ténis»”.

Maria Joaquina Carvalho, de 72 anos, é uma das caminhantes crónicas deste projeto: “sofro de uma depressão crónica e por vezes «vou-me abaixo». Um dia vim a uma consulta, a doutora propôs-me fazer este exercício e decidi experimentar. Gostei muito, desde o início, e sinto-me hoje bem do ponto de vista físico e de ânimo. Sou uma pessoa diferente, mais aberta e comunicante. Aconselho todos a que saiam de casa e adiram estas caminhadas!”.

Parcerias com a comunidade fazem a diferença em Lourosa

Em Lourosa, o projeto «Pontes Entre Nós» acumula mais de uma década de vida, tendo nascido de uma colaboração estreita entre a USF Famílias e o Centro Social de Lourosa. Está focado no apoio integrado ao domicílio a pessoas com dependência, às suas famílias e cuidadores e é obra contínua de uma equipa constituída por médicas, enfermeira, assistente social e psicóloga. O projeto envolve os recursos disponíveis na comunidade, nomeadamente o Centro Social de Lourosa, que colabora na identificação dos utentes que poderão beneficiar desta intervenção. Em 2009, foi fundado o grupo de voluntariado. Orientado e supervisionado pelas responsáveis do projeto, tem desempenhado um papel fundamental, sobretudo ao nível do combate ao isolamento.

A coordenadora do projeto, a médica de família Suzie Leandro, explica que “até ao momento 144 utentes já beneficiaram do projeto” e mostra-se “muito grata com o prémio atribuído pela APMGF. Sentimos que é um reconhecimento merecido, porque aquilo que fazemos neste projeto tem um grande impacto na comunidade”.

Para o sucesso desta iniciativa contribui a excelente interligação entre a USF Famílias e o Centro Social de Lourosa (CSL). O presidente do CSL, Carlos Gomes, considera que o balanço do projeto “é muito positivo, com compreensão e entendimento entre ambas as partes”. Este dirigente acrescenta que as pessoas “cada vez mais pedem e valorizam este tipo de respostas, na medida em que muitos dos apoiados não têm familiares capacitados que os ajudem”.

O coordenador da USF Famílias, Nunes de Sousa, relembra que desde o início da atividade da USF que os profissionais detetaram um padrão que merecia uma estratégia concertada: “começámos a fazer domicílios aos doentes dependentes e constatávamos que quando saíamos das casas, após fazer um tratamento ou colocação de pensos, entrava a equipa do Centro Social de Lourosa para fazer a higiene e realizar outro tipo de intervenções. Muitas vezes o penso ficava inutilizado e lá tínhamos de repetir o procedimento. Foi a partir da consciencialização destas dificuldades que nos começámos a articular”.

Com dois filhos portadores de deficiência, Fátima Pereira tem contado com o precioso socorro do «Pontes entre Nós»: “a ajuda veio ter connosco a casa. Faz-nos muito bem e estamos sempre apoiados com uma palavra amiga, um carinho, um afeto”. Para Fátima Pereira, torna-se evidente que ela e o seu marido estão hoje mais bem preparados para os desafios suscitados pela dependência dos filhos, com orientação para situações específicas, como posicionamento da pessoa acamada, alimentação ou outros problemas. Depois, há a dimensão psicológica e emocional, explica Fátima Pereira: “encontrámos aqui uma segunda família!”.

Presente na entrega deste prémio instituído pela APMGF, Carlos Nunes (presidente da Administração Regional de Saúde do Norte – ARSN) destacou como “a população nacional está cada vez mais envelhecida, as doenças do comportamento são mais prevalentes e a intervenção na comunidade mais importante”, razões que justificam integralmente a existência do «Pontes entre Nós». O presidente da ARSN lembrou ainda que este projeto premiado corporiza na perfeição “aquilo que se procurou trazer com a reforma dos CSP”, uma maior proximidade com as populações, garantir que o apoio está onde estão os cidadãos, através de uma abordagem multidisciplinar, que envolve “não apenas médicos e enfermeiros, mas também assistentes sociais e todas as estruturas da comunidade”.



Leia Também

Dia Mundial do MF em 2024 será festejado (e ilustrado) com as melhores fotografias e vídeos enviados pelos colegas

Comunicado APMGF

Comunicado – APMGF repudia reportagem da TVI que sugere falta de conhecimento dos médicos de família na área da Saúde Mental

Filomena Correia – “As artes plásticas parecem ter um valor reconhecido na Saúde”

Recentes