A Conferência Mundial da WONCA em 2025, que decorrerá em Lisboa e será organizada em parceria pela APMGF e Região Europeia da WONCA, vai ser projetada durante 40º Encontro Nacional, através de uma sessão especial da qual farão parte Shlomo Vinker, presidente da Região Europeia da WONCA e Carlos Martins, chair do grupo coordenador da European Network for Prevention and Health promotion in Family Medicine and General Practice (EUROPREV). Em breve entrevista Carlos Martins – que também participará na mesa-redonda «Controvérsias em MGF», em conjunto com os investigadores Bruno Heleno e Sofia Baptista – explica que a realização da iniciativa na capital lusa é uma “oportunidade para perceber que as nossas imperfeições não são únicas” no panorama internacional e garante que na atual polémica em torno da mais valia de grandes rastreios de base populacional, é fundamental nunca perder de vista que tais iniciativas só devem avançar quando existe forte evidência de que a probabilidade de benefício para os rastreados supera o risco de dano.
Enquanto MF português, como olha para a organização da Conferência Mundial da WONCA em Portugal, no ano de 2025?
Carlos Martins – Penso que é uma oportunidade muito positiva para conhecermos e partilharmos experiências com os nossos colegas médicos de família (MF) de todo o mundo. Ao mesmo tempo, será uma oportunidade para perceber que as nossas imperfeições não são únicas e até aprender como outras realidades corrigem essas imperfeições. Sem dúvida que será para os MF portugueses uma grande honra receber em 2025 o congresso da WONCA World no nosso país.
Em que grandes eixos temáticos se irá focar a EUROPREV, no que respeita às atividades que desenvolverá na WONCA 2025?
Vamos focar as nossas atividades, como é próprio da nossa rede, na área da prevenção da doença e promoção da saúde. É provável que o foco esteja muito à volta da evidência científica que sustenta ou não sustenta novos rastreios, nomeadamente rastreios oncológicos, associando-se aqui a problemática dos novos rastreios propostos pela União Europeia. Temas como a prevenção do sobrediagnóstico serão também certamente focados nas atividades da EUROPREV.
No nosso país é recorrente a discussão sobre a necessidade de repensar os grandes rastreios de base populacional orientados para diversas patologias. Irá falar um pouco, no 40º ENMGF, sobre os desafios, riscos e benefícios destas atividades preventivas?
No âmbito deste 40º ENMGF vou participar em duas sessões. Uma delas será uma mesa redonda sobre «Controvérsias em MGF», em que também estarão presentes o Prof. Bruno Heleno e a Prof.ª Sofia Baptista. Aí, irei debater as propostas mais recentes da União Europeia para novos rastreios oncológicos de base populacional. São propostas com muita controvérsia, que encerram até risco de algum dano provocado nas nossas populações, pelo que vamos nesta mesa debater a evidência científica disponível e o que está em causa quando falamos em dano. No fundo, preocupa-nos muito o sobrediagnóstico, a invasão médica através de meios complementares de diagnóstico da vida de pessoas que estão bem. É preciso perceber que quando falamos deste tipo de rastreios estamos a lidar com atividade médica de prevenção secundária em pessoas que não têm qualquer sintoma. Desse ponto de vista, é necessário ter a certeza de que existe evidência científica que aponta para maior probabilidade de benefício do que de dano para os nossos pacientes.
Na outra sessão em que irei participar, relacionada com a WONCA 2025, farei uma reflexão sobre os valores fundamentais da MGF, de acordo com um documento aprovado recentemente pela WONCA Europe, no qual foram estabelecidos os core values da MGF. Trata-se de um documento muito interessante, que vale a pena termos presente no dia-a-dia e que nos ajuda a lembrar a nossa essência enquanto médicos especialistas em MGF.
Para todos aqueles que ainda não estão bem familiarizados com a EUROPREV, que trabalho específico desenvolve esta rede associada à WONCA e o que podem os médicos portugueses aportar de positivo para a mesma?
A EUROPREV é uma das networks da Região Europeia da WONCA, dedicada à prevenção da doença e promoção da saúde no contexto da MGF e dos cuidados de saúde primários. O trabalho que desenvolve passa muito pela revisão de evidência científica, pelo debate dessa evidência relacionada com as atividades preventivas, sejam elas ligadas à prevenção primária, secundária, terciária ou quaternária. Muitas vezes, o ênfase passa por perceber, compreender e analisar o equilíbrio entre potenciais benefícios e danos de certas atividades preventivas, no sentido de tomar decisões clínicas e escolher atividades preventivas de acordo com aquilo que é melhor para o nosso paciente. Este tem sido o trabalho essencial desenvolvido pela EUROPREV ao longo dos últimos anos e em linha com o mesmo elaborámos uma carta aos órgãos da União Europeia, criticando e pedindo uma certa reflexão acerca da recente proposta para novos rastreios oncológicos. A mesma carta foi enviada ao nosso ministro da Saúde e à Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, porque se trata de um assunto que, de facto, nos preocupa.
Já sobre o que os médicos portugueses podem aportar de positivo à rede, posso dizer que a EUROPREV realiza várias atividades regulares, desde webinars a reuniões abertas (como acontece nas conferências da Região Europeia da WONCA), sem esquecer o seu congresso anual, que ultimamente se tem realizado no Porto e cuja próxima edição decorrerá na mesma cidade a 17 e 18 de abril de 2023. Os colegas portugueses podem participar nessas sessões, apresentar a sua investigação (desde que esteja relacionada com a área da prevenção e promoção da saúde), bem como propostas, sugestões e ideias. Tais contributos serão sempre bem-vindos na EUROPREV!