No programa televisivo «É Ou Não É?» da RTP1 e num debate em que participaram, entre outros convidados, a atual ministra da Saúde Ana Paula Martins e a anterior titular da pasta, Marta Temido, o presidente da APMGF, Nuno Jacinto, defendeu que caso avancem as intenções de incorporar os cuidados de saúde primários (CSP) em contratos de parcerias público-privadas (PPP), alargando este modelo de integração no país, será fundamental definir a priori o que se pretende fazer, de facto, com este nível assistencial: “os CSP não podem ser uma nota de rodapé nesta discussão (…) é importante compreender o que farão estas PPP, como numa gestão privada se vai respeitar a autonomia das equipas e manter a funcionalidade singular de cada unidade de saúde familiar (USF). Contudo, os CSP não são apenas USF, existem unidades de cuidados de saúde personalizados, unidades de cuidados continuados na comunidade, unidades de saúde pública, equipas de suporte em cuidados paliativos. Tudo isto são CSP e necessita de ser enquadrado. Resumindo, antes de mais, temos de perceber o que vai acontecer aos CSP neste modelo contratual, como é assegurada a autonomia, o desenvolvimento e as condições de trabalho, até porque não há experiência prévia nesta área, uma vez que as PPP que existiram previamente em Portugal não incluam os centros de saúde”. O dirigente sublinhou, em acréscimo, que a evidência disponível sobre o sucesso de contratos com o setor privado a incluírem os CSP aqui ao lado, em Espanha, “não é a melhor e os resultados estão longe de serem fantásticos”.
Numa edição do programa subordinada ao tema «Que caminho para a saúde em Portugal?» e marcada, como é natural, pelas eleições legislativas que estão à porta e potenciais estratégias alternativas de desenvolvimento do setor, Nuno Jacinto deixou outro aviso à navegação, este centrado na intensa complexidade das múltiplas experiências organizativas em curso, em simultâneo: “daqui a pouco tempo, teremos unidades locais de saúde (ULS) em quatro velocidades. As ULS universitárias – que até já têm uma comissão que produziu um relatório para a sua revisão – ULS que integram USF em modelo C, ULS com gestão em PPP e ULS que não têm nada disto. É um panorama causador de ruído e confusão. É crítico para os profissionais e utentes perceber o rumo e sabermos todos qual o reconhecimento dado aos CSP, que não podem ser vistos como algo de menor importância em todo este processo”.
Convidado a comentar se será utópico, no presente, dar médico de família (MF) a todos os portugueses e, deste modo, aumentar o número destes profissionais no terreno, Nuno Jacinto reforçou a ideia que a APMGF tem procurado disseminar nos últimos anos e colocou a tónica “na urgência de valorizar os profissionais e dar-lhes uma resposta cabal”. Ora tal não poderá concretizar-se através de mensagens contraditórias ou dúbias, como as que envolvem hoje as ULS e as PPP: “como é que eu atraio MF, enfermeiros de família, assistentes técnicos, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais para os CSP, se não sei bem o que lhes estou a oferecer?”. Para o presidente da APMGF o problema não reside na evolução dos modelos em si, mas na falta de clareza que caracteriza tal evolução: “a mudança causa sempre resistência, mas se mudamos, então que mudemos de forma concertada, coerente e que essa mudança seja explicada a todos”.