Embora um nome desconhecido para muitos, o escritor, dramaturgo, cronista, poeta e jornalista Sándor Márai (nascido no antigo Império Austro-húngaro) é um respeitado autor com uma fiel legião de seguidores que apreciam a sua capacidade de combinar o enigma, a elegância e as inquietações humanas. Escreveu muito e bem no período entre as duas grandes guerras, conheceu assinalável êxito literário sobretudo na Europa Central mas em 1948, por manifesta desilusão com a sociedade em que vivia e assimilava na escrita decidiu exilar-se. Passou por países como a Suíça, a Itália, a França e os EUA, onde morreria em 1989, na cidade de San Diego, tirando a sua própria vida. Entre os seus muitos romances conta-se «A Irmã», editado em 1946. Narra a doença, a dor e a redescoberta da realidade de Z., um famoso pianista que se vê acometido por uma súbita e estranha doença que o magoa e paralisa, quando viaja para um concerto em Florença. Após meses de sofrimento atroz, tratado e vigiado por freiras e médicos com quem cria uma relação muito especial, Z. encontra-se física e mentalmente recuperado quase na totalidade, porém os dedos anelar e indicador da sua mão direita permanecem paralisados, algo que alterará para sempre a sua vida e o vínculo com a música e o piano.
«A Irmã», merecerá nota de destaque na próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, agendada para 2 de julho, pelas 21h00 e que terá como médica mediadora Marta Oliveira e como dinamizadora a agente literária e publisher Rita Fazenda. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF.
No romance de Márai, Z. conta a sua história na primeira pessoa por meio de um manuscrito enviado a um amigo ocasional, um escritor, que ele conheceu numa estância alpestre. A obra foca-se, em grande medida, na evolução e consequências – físicas, espirituais e metafísicas – da doença que afeta o personagem principal. Alvo de cuidados extremados e da atenção que é devida a uma estrela musical do seu gabarito, Z. é acompanhado por dois médicos dia e noite e por quatro freiras que desempenham um papel fundamental, construindo com alguns deles uma afinidade única, apurada a partir do cruzar de discordâncias e confluências de pensamento. A doença prolonga-se no tempo, a dor é poderosa e descrita com minúcia e os analgésicos administrados cada vez mais fortes, ao ponto de conduzirem à necessidade constante de opiáceos. De facto, Z. passa a estar isolado do mundo e nos seus delírios ouve vozes que o incitam a resistir, experimenta uma nova visão das gentes e do mundo e acaba por reemergir do torpor um homem transformado.
“Escolhi esta obra para a próxima sessão do Clube de Leitura por abordar temas que me parecem de extrema relevância para a nossa prática clínica como médicos. Através da personagem Z., o autor dá ao leitor a perspetiva do doente descrevendo pormenorizadamente o seu sofrimento, as suas preocupações, receios e conflitos interiores”, explica Marta Oliveira. A mediadora da sessão aprecia o estilo literário de Sándor Márai e sublinha que o seu discurso “se caracteriza por ser muito direto e conciso, mas ao mesmo tempo profundo e cheio de significado. É um autor que aborda temas sensíveis da vida do ser humano impelindo o leitor a refletir sobre diversos temas como o sofrimento, a doença, a paixão e a morte e fá-lo com uma sensibilidade e delicadeza incríveis”.
Para Marta Oliveira, a interação entre Z., os médicos e as freiras que se encarregam de o cuidar é de particular interesse, uma vez que tal diálogo se revela rico em sentidos: “ao procurar perceber a origem da sua doença e como poderá curá-la, Z. confronta o médico e as enfermeiras com questões sobre o poder da ciência, desejando que estes vão ao encontro do seu desejo e vontade de lutar pela vida”.
Sobre a patologia que assombra os dias de Z. e que se assume, ela mesma, com uma espécie de agente dinâmico de mudança na narrativa, Marta Oliveira confessa que esta lhe despertou curiosidade, “não apenas pela descrição da sintomatologia, mas também pela descrição do sofrimento causado e a vivência desse sofrimento como ser humano explorando um conceito que, para nós médicos, é de extrema importância, que é o conceito de dolência”.