Numa época em que a Medicina em geral e também a MGF estão cada vez mais suportadas em novas tecnologias, dados em saúde e registos eletrónicos, bem como na iminência de integrar um número crescente de contribuições nascidas da Inteligência Artificial, existem valores perenes na clínica que continuam a fazer sentido preservar e estimular.
É em grande medida devido a esta certeza que ganhou preponderância nos últimos anos dentro da especialidade a ciência dos fatores humanos, a qual contribui para colocar a pessoa no centro dos cuidados de saúde. Aliás, um conjunto de médicos dentro da WONCA decidiu criar o WONCA Core Group on Human Factors, de que faz parte Richard Roberts. O ex-presidente da WONCA Mundial partilhou em Lisboa com milhares de colegas a convicção de que a ciência dos fatores humanos constitui uma abordagem prática de enorme sucesso: “ela congrega muito daquilo que eu aprendi ao longo de quatro décadas de prática da Medicina Familiar e da minha experiência enquanto especialista em Qualidade e Segurança”. O médico norte-americano não tem dúvidas de que a abordagem centrada nos fatores humanos pode “tornar os doentes mais saudáveis e as equipas de saúde mais felizes e resilientes”. O decano internacional da MGF recordou que “as equipas de saúde trazem muitas vantagens, já que podem melhorar o acesso dos pacientes aos cuidados, garantem-nos um maior número de pontos de vista, que não raras vezes conduzem a melhores soluções, permitem-nos enveredar por delegação de competências – algo que abre a possibilidade de os elementos mais capacitados executarem apenas as tarefas mais diferenciadas – e distribui o peso da responsabilidade associado aos resultados clínicos”. Mas a edificação destas equipas, com múltiplos perfis profissionais complementares, conduz a cenários de prestação de cuidados complexos, no seio dos quais estão profissionais que são seres humanos, peças humanas frágeis e idiossincráticas dentro de uma engrenagem que nunca pára. Por outro lado, Richard Roberts sublinhou na sua palestra que os médicos têm como missão muito especial “dar sempre fé e esperança aos doentes e aos colegas, por muito má que a situação presente seja. É importante que se lembrem disto, nos dias em que pensam por que razão estão a fazer este trabalho. É igualmente relevante perceber que a ciência dos fatores humanos vos permite desenvolver esta missão melhor e de forma mais eficiente, com proximidade em relação aqueles com quem comunicam. Se estão à espera que os governos, os gestores ou os programas de saúde resolvam este problema, podem esquecê-lo! Neste domínio, temos de optar por uma mudança de baixo para cima ao invés de orientações de cima para baixo”, O ex-presidente da WONCA acredita que este tipo de transformação se pode concretizar em qualquer latitude: “estive em consultórios e unidades por todo o mundo e acreditem quando vos digo que isto se pode fazer. Para tal precisam no entanto de algumas ferramentas e alguns conhecimentos específicos. O nosso Grupo está cá precisamente para vos ajudar, com workshops, webinars e outros meios”.
Um enorme sucesso conheceram de novo na Conferência Mundial da WONCA 2025 vários workshops organizados por colegas portugueses, a começar pela oficina «Smoking and nicotine use – the essential skills of Cognitive-Behavioral and Pharmacological Strategies», dinamizada por Joana Matos Branco, Sara Gamboa, Francisco Sande, Pedro Ferreira Sousa e Luís Paulo Costa. Para Joana Matos Branco, coordenadora da USF Águas Livres, a atração provocada por este workshop tem justificações evidentes: “a cessação tabágica é um tema para o qual as pessoas estão cada vez mais despertas. Por outro lado, trata-se de uma área que não tem grande formação disponível num número alargado de países, sendo que aquela que existe é sobretudo de índole teórica. A componente prática, centrada na aplicação de estratégias cognitivo-comportamentais e terapêutica de cessação tabágica em formato de caso clínico, é muito importante para as pessoas tirarem dúvidas específicas e reconhecerem os doentes-tipo em que o uso destas abordagens é aconselhado. Este tipo de workshops e cursos acabam por ser muito bons e positivos nesse sentido, de ajudar os colegas a entenderem qual a estrutura que devem implementar na sua consulta de cessação tabágica – caso desejem iniciar uma – e de como tudo isto se conjuga na prática do dia-a-dia”.
A coordenadora da USF Águas Livres ficou agradada pelo facto de os participantes se terem mostrado interventivos e de terem colocado questões, circunstância que leva a pensar que “muitos deles têm experiência nesta área (ao nível dos medicamentos e das estratégias cognitivo-comportamentais) e que já fazem algum tipo de intervenção na sua clínica, procurando junto de nós quem sabe colher ensinamentos mais práticos que lhes permitam continuar a melhorar as suas intervenções. O mínimo denominador comum que todos levam daqui é a certeza de que a cessação tabágica é uma intervenção muito eficaz (os dados dizem-nos que apenas temos de tratar vinte pessoas com os fármacos certos para prevenir uma morte prematura, rácio que não encontramos em qualquer outra terapêutica), pouco dispendiosa do ponto de vista do tempo e de recursos. Para mais, contamos hoje com diferentes medicamentos, para diversos perfis de doentes, que nos permitem individualizar o tratamento e prestar o apoio de que a pessoa necessita ao longo do tempo”.
Outro workshop com enorme procura foi a formação «Unlocking Motivational Interviewing Skills: An Escape Room Workshop», ministrada por quatro médicas internas de MGF das ULS de Gaia/Espinho e Santo António, a saber Fábia Teixeira, Catarina Lameirão, Ana Luísa Gomes Soares e Joana Silva. Segundo Fábia Teixeira, “a entrevista motivacional apresenta grande potencial que pode ser explorado na MGF” e esta formação mostrou que se trata de uma abordagem verdadeiramente universal: “a abordagem da entrevista motivacional tem muito em conta a visão e as crenças do paciente e, por isso mesmo, é adaptável a todas as realidades culturais e nacionais. Tivemos connosco pessoas de todo o mundo, algo que foi bastante enriquecedor para nós. De resto, todos os participantes conseguiram cumprir com sucesso o Escape Room e deu-nos muito gosto trazer este trabalho a um congresso mundial e disseminar o conhecimento que fomos obtendo neste campo, ao nível do Internato de MGF e da formação avançada, na dimensão de Mestrado em Comunicação Clínica”.
Realce, ainda, para o workshop preparado por representantes do Grupo de Doenças Respiratórias (GRESP) da APMGF, intitulado «GloriSAOS: an educational board game for enhancing awareness and management of Obstructive Sleep Apnea Syndrome», que através da adaptação do conceito do jogo da glória procurou transmitir conceitos fundamentais sobre a gestão da SAOS aos participantes. Estes dividiram-se em equipas para aprender com competitividade e muito prazer. A formação foi conduzida pelos membros do GRESP Catarina Pinheiro, Sara Fernandez, Ricardo Brás e Dyna Torrado.