«Perna para que te quero», uma invulgar e muito pessoal história de Oliver Sacks, ocupará lugar de destaque na sessão do Clube de Leitura APMGF agendada para o dia 26 de setembro, a partir das 21h00. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral de sessões). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF. A médica de família mediadora da sessão e responsável pela escolha da obra é Ricardina Barroso e a sessão contará também com a agente literária e publisher Rita Fazenda, enquanto dinamizadora.
A obra agrupa as memórias de uma experiência única e bizarra vivida pelo neurologista e celebrado autor Oliver Sacks, que após muitos anos a ocupar-se dos seus pacientes, numa posição de autoridade e observação clínica, sofre um acidente grave envolvendo uma perna e descobre o que significa passar para «o outro lado do consultório». A partir desta nova perspetiva, Sacks examina o processo de tratamento, o que significa estar (ou não) curado, a natureza da relação médico/paciente e as confusas ligações que existem em todos nós, entre corpo, consciência e identidade.
A narrativa começa com a colorida descrição de uma viagem até à Noruega, repleta de descobertas magníficas em deslumbrantes paisagens. O encontro surpresa com o touro, porém, desencadeia no autor uma onda de medo primordial que o faz descer de modo apressado a montanha. Segue-se a inevitável queda, que deixa Sacks com uma lesão grave na perna, valendo-lhe a ajuda de uma dupla de caçadores que o encontra acidentalmente.
O autor começa então um curioso périplo pelo universo da prestação de cuidados de saúde e percebe o que significa ser um «doente» anónimo, alguém que por vezes se sente inútil e ignorado. À medida que fica cada vez mais frustrado com a ausência de melhorias na perna e com a falta de preocupação e apoio evidenciados pela profissão médica, o autor faz descobertas importantes sobre a sua experiência de sofrimento, como o quão desolador pode ser o processo de cura.
O capítulo final do livro detalha as investigações do autor sobre a história da estranha sensação de deslocamento e de perda que sentiu em relação à sua perna, bem como as descobertas de vários casos registados de outros pacientes que sofreram deslocamentos semelhantes e o desenvolvimento de várias teorias que podem contribuir para explicar tal fenómeno inusitado.
“Li pela primeira vez «Perna para que te quero» há uns vinte anos, depois o ver referido por Ian McWhinney no Manual de Medicina Geral e Familiar. Pela mão de Oliver Sacks revisitei, nessa altura, uma experiência pessoal anterior de doença. As sensações do corpo, por vezes estranhas e por isso nunca ditas, e os sentimentos de dúvida e de incompreensão, de tristeza e de desânimo, de esperança e de libertação, que se sucedem e alternam nessas circunstâncias. Fiquei com a convicção de que era uma leitura indispensável na formação de um médico. Fui recomendando a sua leitura aos mais próximos. Não podendo viver todas as doenças dos nossos doentes, esse caminho de conhecimento e de reflexão, realizado pela mão de outro, poderia tornar-nos mais capazes de compreender cada pessoa que nos procura para que cuidemos dela”, salienta Ricardina Barroso.
Para a mediadora da sessão do próximo dia 26 de setembro, duas ideias perpassam todo o livro: “a importância de acreditarmos no que os doentes nos dizem, o que dizem e como dizem – os detalhes são muitas vezes a «chave» não apenas para a compreensão do outro (a empatia), mas, não menos importante, para a formulação de uma hipótese de diagnóstico (ou ao menos para um caminho no sentido da sua descoberta). A outra é a de como o modo de cuidar pode ser determinante do estado de ânimo do paciente e da confiança com que este se abalança a seguir os conselhos ou sugestões do seu médico. Os resultados podem ser tão díspares que se torna impossível não discutir este tema quando tratamos de analisar e avaliar as consequências das intervenções médicas”.
Ricardina Barroso recorda, aliás, que o próprio Sacks “resume no prefácio do seu livro as questões que impuseram a si próprio a escrita, o relato detalhado desta experiência pessoal tão avassaladora. Todas me parecem igualmente importantes, pelo que valerá a pena revê-las como incentivo à leitura de “Perna para que te quero”, desde os fenómenos neuropsicológicos e existenciais específicos associados à sua lesão e convalescença, até às peripécias da condição de doente e de regresso ao mundo exterior, as complexidades da relação médico-doente e as dificuldades de diálogo entre eles ou a aplicação a um vasto grupo de doentes das suas descobertas e a consequente reflexão acerca das suas implicações e significados”.
Nascido em Londres, em 1933, Oliver Sacks estudou Medicina na Universidade de Oxford e mais tarde mudou-se para os Estados Unidos. Ficou célebre devido a cativantes estudos de pacientes com distúrbios neurológicos e a sua escrita (informativa, clinicamente rigorosa, mas compassiva) explora a atividade fascinante do cérebro e como as condições neurológicas podem afetar a nossa perceção do mundo. Figura reverenciada quer na comunidade científica, quer na literária, aperfeiçoou um estilo em que se entre-cruzam de forma harmoniosa anedotas pessoais, observações científicas e reflexões filosóficas. Embora nunca tenha recebido prémios literários de grande projeção internacional até à sua morte, em 2015, as criações de Sacks tiveram um impacto evidente na sociedade moderna e foram, sem dúvida, influentes na formação da compreensão pública da Neurologia e do cérebro humano.