Catarina Oliveira – “Muitas vezes não temos a noção da diversidade que nos rodeia”

É nutricionista, consultora e formadora para a diversidade e inclusão, influencer nas redes digitais, embaixadora da Associação Salvador e formadora na empresa AccessLab. Mas, acima de tudo, Catarina Oliveira, a conferencista de encerramento do 42º Encontro Nacional de MGF, é uma mulher que não deixa a sua deficiência motora tornar-se um entrave ao sucesso ou um desculpa para não chegar mais longe. Nesta breve entrevista, mostra por que motivo será um privilégio ouvi-la em Tróia e que quem trabalha em saúde deve sempre fazer um esforço real para ajudar, sem cair em “comportamentos capacitistas”.

 

Que temas gerais pretende abordar na sua comunicação aos representantes da Medicina Geral e Familiar em março?

Catarina Oliveira – Sendo uma pessoa com deficiência e também uma profissional de saúde, quando me pedem para falar sobre como podemos voltar a deslumbrar-nos com a diversidade que existe na nossa sociedade, penso sobretudo na importância de percebermos que muitas vezes não temos a noção da diversidade que nos rodeia. Ou, então, olhamos apenas para a diversidade que é visível e evidente.

Também gostaria de abordar os estereótipos e os preconceitos que nos levam muitas vezes a não respeitar a diversidade ou a tratá-la de uma forma diferente e inferior. Quando extrapolamos isto para um contexto de saúde, percebemos que tal atitude pode ser muito prejudicial para grupos sub-representados e minorias que não têm tanta expressão e que se veem excluídas de tratamentos ou interações equitativas e acessíveis. De uma forma geral, pretendo trazer à tona o que significa isto da diversidade (a verdadeira diversidade) e como podemos desconstruir muitos dos preconceitos que criamos sobre as pessoas que depois nos levam a ter comportamentos capacitistas, quer em contexto de trabalho, quer pessoal.

Da sua experiência pessoal, diria que existem estratégias fáceis de implementar que permitem tornar os serviços, espaços e momentos de saúde mais humanos e inclusivos para o utente?

Existem várias estratégias, bem fáceis de implementar. À cabeça, pensamos quase sempre primeiro naquelas que são mais complicadas, que exigem obras, investimento e muitas transformações. Mas a verdade é que quando falamos de pessoas que se movimentam nos serviços de saúde, um dos contactos fundamentais passa pela conversa, pela interação e a esse nível podemos contar com inúmeras estratégias que permitem tornar a nossa comunicação mais acessível a diferentes pessoas, que entendem a mensagem de forma diversa ou que não sabem que determinados assuntos também lhe dizem respeito (isto é muito comum em pessoas com deficiência). Portanto, é essencial trabalhar estratégias simples que permitam tornar a nossa comunicação, oralidade, escrita e transmissão de informação mais acessíveis. Muitas vezes, não implementamos tais estratégias porque nem sequer compreendemos que a nossa comunicação não está a ser acessível. Para além de questões mais técnicas – como a forma que adotamos para passar os materiais, como recebemos as pessoas no nosso espaço, etc. – existem pequenos elementos na nossa atitude e na nossa interação que podem fazer toda a diferença para a pessoa que está à nossa frente, tenha ela deficiência ou não.

É conhecida pela sua página de Instagram «Espécie Rara sobre Rodas»… Que mensagens essenciais procura transmitir através deste canal?

No fundo, o que pretendo transmitir é antes de mais informação sobre a deficiência, com um viés obviamente para a minha própria deficiência, a deficiência motora e em específico a realidade de alguém que utiliza cadeira de rodas. Procuro transmitir informação com humor, numa linguagem simples e que não seja chata ou acusatória e que permita às pessoas perceberem que todos nós temos alguns preconceitos relacionados com a pessoa com deficiência, sendo no entanto possível desconstrui-los e ter comportamentos menos capacitistas no dia-a a dia.

Na sua perspetiva, os médicos de família podem ser no quotidiano bons aliados no ativismo pela inclusão? Se sim, de que formas?

Só posso responder com um grande “sim”! Os médicos de família têm uma proximidade gigante com o utente. Eles são a primeira, a segunda, a terceira e a quarta linha de interação com o utente em muitos casos e não é invulgar os utentes com deficiência necessitarem de fazer mais visitas ao médico (embora um utente com deficiência não seja necessariamente um doente, algo que desejo esclarecer também na minha apresentação). Assim, se tivermos um médico de família que não seja capacitista, ou que esteja a tentar ser menos capacitista, que dentro do seu centro de saúde ou área de atuação tente promover um ambiente com boas condições de acessibilidade – sejam elas físicas, comunicacionais ou latitudinais – então estamos perante um profissional que procura ser um ativista, lutando diariamente pela inclusão. Isto passa por estar atento à sua volta, observar como está estruturada a unidade de saúde, se é acessível do ponto de vista físico, se a entrada é correta e existem lugares de estacionamento para pessoas com deficiência, se existe um balcão rebaixado, se o consultório tem espaço ou possibilita a criação de espaço para as pessoas se deslocarem livremente, ou se uma pessoa neurodivergente (ou especificamente com autismo) tem a possibilidade de se afastar de áreas caóticas para uma sala mais tranquila para aguardar. Isto parece à partida muito complicado, mas são coisas que podem ser implementadas com tempo, não se exige que tudo se torne realidade de uma vez só. Mas é preciso concretizá-las, porque fazem toda a diferença. Depois, é importante refletir sobre que temas abordo no consultório com o utente. Deixo que os meus enviesamentos evitem que aborde determinados temas com o utente com deficiência, porque acredito que são irrelevantes para ele, como por exemplo a sexualidade (este é um ponto que tenciono tocar na minha comunicação)?

A junção destas pequenas coisas fazem com que um profissional de saúde (médico ou outro) se torne, de facto, um ativista pela inclusão. Devo sublinhar que este é um assunto que a todos diz respeito (mesmo que muitos não se lembrem com regularidade dele), porque mais tarde ou mais cedo todos nos iremos cruzar com alguém com deficiência (ou poderemos adquirir uma deficiência, como aconteceu comigo aos 27 anos de idade).

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