Relato Exchange + Pre-Conference + WONCA Europe 2024 – Ana Rita Queirós

A vontade de expandir os meus horizontes, conhecer novas realidades na Medicina Geral e Familiar (MGF) e interagir com colegas de diferentes partes do mundo motivaram-me a participar no WONCA Europe 2024, realizado em Dublin, na Irlanda. Esta aventura começou com a oportunidade de participar no intercâmbio (“exchange”) da Pré-Conferência, promovido pela EYFDM, proporcionando-me uma visão mais ampla sobre os Cuidados de Saúde Primários (CSP) noutro país. Assim, após ser selecionada e juntamente com um grupo de mais seis jovens Médicos de Família (MF) e internos de MGF de várias nacionalidades, pude passar um dia numa unidade de saúde de Dublin, onde fui exposta a uma realidade profissional diferente da portuguesa. Nesse dia pude observar as práticas locais de MGF e perceber como o sistema de saúde irlandês gere os seus CSP.

Uma das principais diferenças em relação ao sistema português é o modelo de financiamento e acesso à saúde no geral. Na Irlanda, o sistema de saúde é uma mistura de público e privado. Embora exista o Health Service Executive, que presta cuidados de saúde pública, os CSP não são universalmente gratuitos. A maioria dos cidadãos paga consultas médicas, exceto para aqueles que possuem o Medical Card, que dá acesso gratuito com base em alguns critérios, ou o GP Visit Card, que cobre as visitas ao MF, mas não outros custos.

A clínica que visitei conta com uma equipa de cinco MF e serve cerca de 4000 utentes, proporção esta também significativamente diferente face aos números portugueses. Além disso, estes utentes podem escolher, a cada visita, se pretendem uma consulta com o seu MF ou com qualquer outro médico da clínica, sendo a segunda opção escolhida com relativa frequência nesta unidade.

Ainda assim, pude perceber que existem também várias semelhanças entre os CSP irlandeses e portugueses, como o papel do MF como “gatekeeper” e a importância dada à gestão e prevenção de doenças crónicas (observada, por exemplo, pela existência de programas de saúde com avaliações semestrais com o MF, como para a diabetes, hipertensão, asma, DPOC, doença cardíaca isquémica, entre outras). Por outro lado, também o desafio da alta demanda e falta de profissionais em algumas áreas, especialmente as rurais, é comum aos dois países.

Ainda durante a Pré-Conferência – e já no Centro de Congressos de Dublin – participei em vários workshops desenvolvidos por alguns dos grupos de interesse da EYFDM que proporcionaram um espaço de aprendizagem imenso, permitindo-me desenvolver competências tanto clínicas, como no de Medicina de Urgência, como não-clínicas, como no workshop acerca do Ageism. A Pré-Conferência também me permitiu conhecer um pouco mais sobre a estrutura da WONCA e as suas sub-organizações, como o próprio EYFDM e alguns dos seus projetos. Aprendi como posso estar mais conectada e envolvida nestes grupos e nos seus projetos, e como estas organizações promovem a colaboração entre os MF de diferentes países. Finalmente, esta experiência foi também uma excelente oportunidade para estabelecer contactos com colegas de diferentes países e explorar como a colaboração internacional pode enriquecer a prática de cada um de nós. Aprendi um pouco sobre os internatos de MGF noutros países e pudemos discutir algumas vantagens e desafios de cada um. Nesse contexto, destaco uma das keynotes que mais me marcou durante os dias em Dublin, palestrada pela Dra. Laura Nielson, acerca do seu nobre projeto e do que é ser um “Passionate Doctor”, as dúvidas que todos enfrentamos durante a nossa formação e prática da Medicina, mas também a importância de continuar a tentar, falhar, trabalhar e sonhar até acreditarmos que somos capazes de “voar”.

Finalmente, depois destes dias de aprendizagens fantásticas tive ainda o privilégio de participar no congresso WONCA Europe 2024, onde profissionais de diversos países se reuniram para discutir a evolução da MGF, este ano subordinado ao tema “The Changing Nature of Family Medicine – Cultivating the Future”. A conferência foi uma experiência única que me permitiu absorver conhecimentos em áreas tão variadas como a liderança em saúde, a saúde planetária, a sustentabilidade e a inovação nos CSP. Temas como a prescrição social, o impacto das alterações climáticas, a saúde em áreas de conflito armado e o futuro da Medicina com a inteligência artificial foram alguns dos mais marcantes.

Ainda assim, um dos aspetos que mais me agradou na participação nesta conferência foi a ampla oportunidade de apresentar e discutir os trabalhos desenvolvidos pelos colegas dos diversos países. Fiquei impressionada com a dimensão, qualidade e inovação de algumas das investigações e projetos apresentados, incluindo contribuições de altíssimo nível de Portugal. As discussões dos projetos entre os presentes permitiram-me conhecer mais realidades da saúde um pouco por todo o mundo, inspirando-me a refletir sobre como posso também eu replicar algumas das ideias e contribuir para a melhoria dos cuidados em Portugal, adaptando à nossa realidade.

O intercâmbio proporcionou-me ainda momentos de networking valiosos. Participei em discussões com colegas das mais diversas partes do mundo, partilhando experiências e perspetivas sobre a prática de MGF nos seus países. Esta interação permitiu-me perceber que, apesar das diferenças, muitos dos desafios que enfrentamos na MGF são universais, como a sobrecarga dos sistemas de saúde, a não tão infrequente escassez de recursos e a necessidade de inovação para melhorar a prestação de cuidados.

A participação nestes dias de congresso abriu-me horizontes, ajudando-me a ter uma visão mais global da MGF e a estar mais por dentro da organização europeia e mundial de MGF. Reconheço ainda o evento como uma oportunidade única de estabelecimento de contactos com colegas de contextos tão diversos e de verdadeiro crescimento enquanto médica interna. Terminados estes dias, regresso com ideias para aplicar na minha prática clínica diária, munida de novos conhecimentos, alertada para a constante evolução da MGF e com a certeza da vontade de um envolvimento mais ativo com a comunidade de MF, a nível global.

Termino incentivando todos os meus colegas a participarem neste evento, pelo menos uma vez. De facto, não se trata de (mais um) congresso com foco na atualização científica e na partilha de ensaios clínicos, guidelines ou dos avanços médicos mais recentes. Em vez disso, é um evento que celebra e reforça os restantes ramos que compõem a árvore da nossa especialidade de MGF; destacando a importância da colaboração global e do desenvolvimento pessoal e profissional dos MF e fortalecendo as bases da nossa prática ao nível individual, familiar, comunitário e planetário.

Em suma, senti-me verdadeiramente inspirada e sinto que saio desta experiência tão completa com novas ideias, novas amizades e, sobretudo, com um entusiasmo renovado para o futuro da MGF.

Ana Rita Queirós (USF Garcia de Orta, ULS Santo António)

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