Em gesta pontuada por dor, mas também pela alegria de resgatar relances de um passado que ameaçava esfumar-se, Hugo Gonçalves lança-se em «Filho da mãe» (livro publicado em 2019) numa viagem de redescoberta da mãe – que morreu de cancro quando ele tinha apenas 8 anos – mas igualmente da restante família, do avó Daniel cuja passagem material por este mundo lhe chega através um testamento entregue num saco de plástico, da estóica avó Margarida, dos pais, tios e irmão. Esta poderia ser uma caminhada literária piegas, mas não é. Trata-se, isso sim, da história muito pessoal de alguém que cresceu sem a presença física da mãe, mas mergulhado no ideário que ela representava e que mais tarde é forçado a reconstruir. Da entronização de um tempo que seguiu em frente, sem perguntar nada a ninguém. Como o próprio escritor (que foi também jornalista, correspondente e cronista) afirma na parte inicial da obra: “Não escrevo este livro para construir um relicário em forma de monumento. Escrevo para deixar de fugir”.
«Filho da mãe» é uma narrativa de referência na literatura portuguesa contemporânea e será, com certeza, apreciado e analisado com toda a minúcia na próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, agendada para o dia 19 de novembro, a partir das 21h00. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral de sessões). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF. O médico de família mediador da sessão e responsável pela escolha da obra é Mário Santos e a sessão contará também com a agente literária e publisher Rita Fazenda, enquanto dinamizadora.
Para Mário Santos, a escolha deste livro revelou-se muito fácil: “ler sobre personagens e situações diferentes da nossa própria realidade ajuda a desenvolver a compreensão do Outro e a estimular a empatia, objetivos importantes do Clube de Leitura APMGF. «Filho da mãe» é para mim um processo de auto-conhecimento a propósito de acontecimentos marcantes vividos pelo escritor. É uma obra ímpar, plena de conteúdo e significado, sobre a natureza e a condição humana. A experiência humana de Hugo Gonçalves oferece ampla matéria para reflexão: do estigma às crenças sobre a doença, da perda à morte e ao luto, e da estranheza da vida pelo olhar de uma criança órfã aos 8 anos. Mas também pode ser um livro de reflexão sobre a tenacidade do espírito humano, à procura da identidade e do renascimento”.
Na perspetiva do médico mediador da sessão, a história autobiográfica de Hugo Gonçalves apresenta também um enorme potencial de partilha com utentes e famílias que atravessam a experiência do luto, desde que sugerida com o devido enquadramento: “ao sugerir um livro aos utentes e famílias, é importante ter em conta a abordagem e o tom da obra, já que cada pessoa lida com a experiência da doença ou perda de forma singular. Lembro-me de uma paciente que sofria de perda de audição relacionada com a idade, não ter gostado de ter lido «A vida em surdina», sugerida por mim, porque sentiu-se ridicularizada e diminuída ao ler o romance de David Lodge. No caso particular da experiência do luto, alguns livros por serem mais diretos ou intensos, podem ser difíceis para quem está a sofrer um luto muito intenso ou patológico. Outros apresentam a dor da perda de forma suave e simbólica, ajudando a validar emoções, encorajando a ultrapassar dificuldades, oferecendo conforto e esperança. «Filho da Mãe» não é um livro de receitas, com respostas prontas, mas pode ser um espelho humano com ressonância em quem está a ter uma experiência humana semelhante”.
No que concerne ao autor que está na génese da obra, Mário Santos acredita que a sua experiência durante muitos anos enquanto jornalista, correspondente internacional e editor literário em Espanha, Brasil e EUA contribuiu para lhe dar uma clara assinatura cosmopolita: “na escrita de Hugo Gonçalves reconhecem-se sinais claros de universalismo. O escritor consegue falar de temas profundamente pessoais e ao mesmo tempo universais. A vulnerabilidade humana, o amor, a perda, a fragilidade e a identidade, são temas que ressoam em diversas culturas, de forma que as suas experiências individuais refletem questões humanas que ultrapassam fronteiras. Essa abordagem permite que os leitores se identifiquem nas histórias escritas pelo escritor, independentemente de suas próprias trajetórias de vida. Escrito na primeira pessoa, em estilo direto, introspetivo e genuíno, «Filho da Mãe» provoca no leitor um olhar profundo sobre si próprio – o seu modo de ver, de sentir, de agir – perante as histórias intimistas de Hugo Gonçalves, convidando o leitor a mergulhar nas suas próprias emoções e experiências. Esse estilo, centrado no questionamento existencial, liga-se com as emoções mais básicas e humanas, permitindo que os leitores encontrem parte de si mesmos na narrativa”.