Despertador social nos trópicos

Lutar por um mundo justo e igualitário, defender vítimas de violência e exploração e erradicar a miséria e falta de oportunidades é uma filosofia de vida intemporal – tão necessária hoje como no século XX, ou num passado mais longínquo. São também os valores fundamentais de «Capitães da Areia», livro que inspirará a próxima sessão do Clube de Leitura APMGF, agendada para 5 de fevereiro, pelas 21h00 e que terá como médico mediador Josefina Marau e como dinamizadora a agente literária e publisher Rita Fazenda. A participação no Clube de Leitura está sujeita a inscrição prévia, é gratuita para os sócios da APMGF e tem um custo de 35 euros para não sócios (valor que permite participar no ciclo integral). No final do ciclo, todos os participantes do Clube de Leitura que tenham assistido às sessões em direto receberão um diploma de participação entregue pela APMGF.

Obra que quase se confunde com o seu criador, Jorge Amado, aos olhos da maioria dos leitores, «Capitães da Areia» foi lançada em 1937, numa época em que a questão da luta de classes, a possibilidade (ou ameaça) de uma revolução socialista se tornava verosímil em todo o mundo. Evoca as desigualdades sociais inerentes aos modelos políticos e económicos do contexto em que foi publicado e no personagem Pedro Bala tem um embaixador perfeito do sentimento de injustiça e revolta, ele que é perseguido na adolescência enquanto delinquente e mais tarde, em fase adulta, como grevista e lutador por direitos básicos.

De forma resumida, o romance relata a experiência de vida de um grupo de menores abandonados na Bahia, que habitam num velho trapiche (espécie de armazém no ancoradouro) e vivem de furtos, ou seja, permanecem fora dos limites aceites e reconhecidos da sociedade. O trapiche, no areal do cais, rejeitado até por cães vagabundos, é o lar destes meninos fustigados pela vida, os “Capitães”. São menores que não se enquadram na “Ordem e Progresso”, mantras da brasilidade, na maioria dos casos de pele escura e oriundos de morros. Apesar de tudo, “vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade”.

O autor constrói um retrato vibrante e multidimensional, ao mesmo tempo que continua engajado na sua trajetória utópica de militância marxista e culmina na exaltação do Brasil em seu sincretismo e miscigenação. Este é um Brasil alegre, mas também duro e mostrado em “carne viva”. De facto, o baiano “romântico e sensual” que escreveu estas linhas nutria um especial amor pelos marginais, pescadores e marinheiros de sua terra, graças à sua vitalidade e «Capitães da Areia», tal como muitas outras obras de sua pena, está recheada de gente possante e real e águas-fortes da vida baiana. Podemos afirmar, sem hesitações, que Jorge Amado conseguiu através deste romance destacar os problemas sociais daquela época, entre o quais figurava em lugar dianteiro a desigualdade social, alimentada por um Estado negligente que permitia o abandono declarado de crianças, forçadas por esse motivo a cometerem crimes para sobreviver e a crescerem para além dos seus anos.

 

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