XII Jornadas dos Médicos de Família dos Açores

A maioria dos médicos de família dos centros de saúde dos Açores tem mais de 55 anos de idade. Mesmo contando com os 31 internos da região, que poderão colmatar a situação de reforma destes clínicos, faltam ainda 62 médicos. Atenuar a falta de médicos de família e melhorar a qualidade dos serviços são questões essenciais para os médicos de família do arquipélago: querem evitar reformas antecipadas, exigem mais formação e estão contra a contratação de médicos estrangeiros indiferenciados. Querem… um real investimento nos cuidados de saúde primários
De acordo com o coordenador do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar da Região Autónoma dos Açores, Adelino Dinis, faltam 62 médicos de família nos centros de saúde dos Açores. As situações de maior carência ocorrem em Ponta Delgada e Lagoa.
Com nove unidades de saúde de ilha (USI), 17 centros de saúde e uma população de mais de 246 mil habitantes, os Açores contam, actualmente, com 104 especialistas de medicina geral e familiar, 10 clínicos gerais e 13 médicos contratados. O número revela-se insuficiente, tanto mais que 57% dos médicos de família têm idade igual ou superior a 55 anos e muitos encontram-se em situação de pré-reforma. É o que acontece em Ponta Delgada, onde 11 clínicos têm mais de 55 anos e em Vila Franca do Campo, com seis médicos na mesma situação.
Evocando o rácio de um médico para 1.550 habitantes, Adelino Dinis alerta que os Açores precisam de um quadro médico de 176 especialistas em MGF. Isso implica que, para além dos 114 especialistas em MGF e clínicos gerais que trabalham no arquipélago, seriam necessários mais 62. Mesmo contando com os 31 internos que estão a fazer a especialidade na região, o diferencial ultrapassa as três dezenas. A grande carência atinge, sobretudo, o meio urbano, salientou aquele responsável na abertura do II Encontro Regional de Internos e Jovens Médicos de Família, integrado nas XII Jornadas.
Nos centros de saúde de Ponta Delgada/Lagoa seriam necessários mais 22 médicos, dois em Vila Franca do Campo, dez em Ribeira Grande, 12 em Angra do Heroísmo, cinco em Praia da Vitória e três em Santa Cruz das Flores. Apesar destes serem os números ideais, as vagas propostas para o Internato ficam sempre um pouco aquém das expectativas e dependem da aprovação final da tutela. Em concreto, a coordenação do internato propôs, para este ano, mais 12 vagas.
Para Adelino Dinis, a situação de Vila Franca do Campo é especialmente sensível, uma vez que está sem capacidade formativa. O médico de família lamenta que o papel de orientador seja pouco estimulado pela tutela: “neste momento, há ilhas com poucos médicos e os internos que fazem a sua formação em ilhas mais distantes não têm as mesmas condições que aqueles que se encontram junto dos hospitais centrais”. Adelino Dinis sublinha ainda que “o internato é a pedra base da cobertura médica de qualidade na região”. Um interno significa mais trabalho para os médicos seniores “mas é uma mais-valia porque pode contribuir muito para a melhoria dos serviços, é sangue novo e traz a vontade de querer aprender, o que representa um estímulo”. O internato de medicina geral e familiar “tem de ser uma aposta da região”, defende.

Médicos estrangeiros “não são solução”… Mas “um remedeio”
Para reverter a situação de carência de médicos de família nos Açores, Adelino Dinis salienta que, em primeiro lugar, se devem tentar “dissuadir os profissionais de optarem pelas reformas antecipadas e motivar os médicos mais velhos a continuarem a trabalhar, permitindo que a formação de especialistas, em número, seja suficientemente elevada para ir ocupar os seus lugares”. Além disso, aquele responsável defende “uma forma diferente de remunerar o próprio trabalho médico, podendo haver um estímulo à qualidade do serviço que prestam e à quantidade de trabalho” que realizam. Por exemplo, a capitação dos médicos da região é feita de acordo com o número de habitantes, “quando isso não é o mais correcto. Um médico que tenha muitos idosos, grávidas ou crianças, tem que trabalhar muito mais do que um colega com uma lista de adultos saudáveis e isso tem que ser levado em consideração”. O médico de família considera, ainda, que deve ser incentivada a criação de unidades de saúde familiar e actualizado o método de distribuição de médicos de família.

Contra a contratação de médicos indiferenciados
A contratação de médicos de família estrangeiros sem a especialidade de Medicina Geral e Familiar é igualmente contestada por Fontes e Sousa, responsável da Delegação Regional da APMGF dos Açores. “Sem querer ferir susceptibilidades”, a vinda de “médicos indiferenciados”, sejam eles estrangeiros, ou não, “só encontra paralelo nos tempos revolucionários em que cabos eram promovidos a generais”.
A contratação de “médicos indiferenciados”, pela região, é uma das questões que mais críticas tem recolhido, uma vez que os médicos locais entendem que os médicos estrangeiros contratados “não têm diferenciação”, ou seja, não possuem a especialidade de MGF, obtida através do Internato de quatro anos.

Governo vai reforçar consulta aberta para utentes sem médico atribuído
No âmbito do grande encontro da Medicina Geral e Familiar dos Açores – realizado sob o lema defendido pela OMS: CSP, agora mais do que nunca – o secretário regional da Saúde, Miguel Correia, anunciou que o governo açoriano vai descentralizar as consultas médicas efectuadas no S.A.U. de Ponta Delgada para outras unidades de saúde da ilha de S. Miguel.
Miguel Correia esclareceu que a
reafectação dos médicos actualmente alocados no S.A.U. vai permitir disponibilizar consultas abertas para utentes sem médico de família, em 15 unidades dos concelhos de Ponta Delgada e Lagoa.
O executivo açoriano pretende, assim, “minimizar as falsas urgências hospitalares”, através da promoção do acesso a consultas de medicina geral e familiar para utentes a descoberto, “nas unidades de saúde próximas das suas residências e em horários de atendimento mais alargados e mais convenientes para os cidadãos”. Com esta mudança, estima-se que serão facultadas, semanalmente, mais 800 consultas, em média, “permitindo maiores ganhos em saúde para a população e a manutenção dos postos de trabalho existentes”.

Negociação do Acordo Colectivo de Trabalho poderá permitir aumento das listas
Miguel Correia referiu ainda outras soluções em curso para que mais açorianos tenham médico de família. É o caso da negociação do Acordo Colectivo de Trabalho dos médicos, nos Açores. Este acordo, poderá permitir que os especialistas alarguem as suas listas, mediante uma compensação adequada.
Noutra vertente, o secretário regional sublinhou que o governo investiu sem precedentes em novos centros de saúde, como o da Graciosa – que será inaugurado em breve – da Madalena – cujas obras já arrancaram – e ainda no novo Centro de Saúde de Ponta Delgada, em fase de concurso público.
Miguel Correia assegurou que, actualmente, os açorianos sem médico de família “são pouco mais de 36 mil”, mas acentua a necessidade de que os internos de Medicina Geral e Familiar que estão a fazer formação sejam integrados “rapidamente” no Serviço Regional de Saúde.

Autarca alerta para sobregestão e subliderança dos serviços de saúde
Também Berta Cabral, presidente da Câmara de Ponta Delgada, defendeu a necessidade de se “aumentar a cobertura dos cuidados primários de saúde, garantindo um médico de família para todos”. A autarca defende, no entanto, que para atingir esse objectivo é importante que existam as infra-estruturas necessárias e que sejam dadas condições de trabalho aos profissionais.
Dirigindo-se particularmente aos médicos de família presentes nas XII Jornadas – que contaram com a presença do presidente da APMGF, João Sequeira Carlos, do vice-presidente, Rui Nogueira e do tesoureiro, Alexandre Gouveia – Berta Cabral salientou: “o vosso trabalho, enquanto protagonistas qualificados desta especialidade é, para nós, um motivo de orgulho. O entusiasmo e a competência que depositam no vosso quotidiano ao serviço dos outros e na organização regular de iniciativas, como esta, contribuem para a informação da população e para a dignificação de uma carreira médica tão importante e necessária como é a da Medicina Geral e Familiar. A formação contínua não constitui apenas um benefício exclusivo para os profissionais do sector, mas uma vantagem colectiva para toda a sociedade. Quanto mais preparados estiverem os profissionais de saúde, mais a sociedade ganha com os serviços prestados”.
É conhecida a realidade dos constrangimentos sociais e económicos das famílias açorianas e as fortes dificuldades no acesso ao serviço regional de saúde e, em particular, aos cuidados de saúde primários. “Devemos estar conscientes da interligação entre a doença e a vulnerabilidade social e, por isso, é preocupação crescente os efeitos que novas situações de pobreza poderão (e estão) a ter no sistema de saúde”.
Na opinião da governante, torna-se necessário identificar as necessidades colectivas e responder de forma prioritária ao que é reconhecidamente essencial: “é um dado adquirido que a ciência médica tem sido capaz de aumentar a longevidade das populações e, mais do que gerar simplesmente uma maior esperança de vida, tem permitido que as pessoas vivam mais anos com mais saúde e mais qualidade. Porém, as consequências da modernidade exigem dos poderes públicos mais medidas e melhores estratégias: aumentar a cobertura dos cuidados primários de saúde, garantindo um médico de família para todos; assegurar infra-estruturas e condições de trabalho, proporcionando uma prestação de serviços de qualidade e de elevada eficiência, são questões a ter em conta e que, em Ponta Delgada, têm uma expressão que não deve ser negligenciada”.
Na verdade, o problema da gestão dos custos, “tão importante nos actuais sistemas de saúde”, deverá ser “equacionado, não tanto na fórmula do quanto se faz, mas sim na fórmula do como se faz para melhor servir os cidadãos”. De acordo com a autarca, esta é a fórmula essencial “para combatermos a sobregestão e a subliderança nos serviços de saúde”.